“Quem botou a lua lá?”

Marcelo de Souza Silva (2013)

          Para alguém que, como eu, é morador de apartamento em cidade grande e está quase sempre muito ocupado, as férias em uma casa de praia podem trazer de volta alguns hábitos antigos e simples, como sentar no pátio e ficar observando calmamente o céu noturno, a lua e as estrelas.  Foi o que fiz no último verão, juntamente com minha sobrinha de três anos. Quando estava lhe mostrando a lua e tentando atrapalhadamente explicar porque  ela estava “cortada” (a lua estava na fase crescente), ela me fez a seguinte pergunta: “quem botou ela (a lua) lá”?

Pergunta simples, de resposta difícil, principalmente para uma menina de três anos. Meu primeiro impulso foi responder que tinha sido Deus. Mas eu mesmo não tenho muita convicção disso, nem para afirmar, nem para negar, de forma que acabei deixando esta resposta de lado. Além disso, mencionar Deus poderia acarretar o pedido de maiores esclarecimentos sobre “Ele”, o que eu seria incapaz de fazer de forma que não criasse ainda mais confusão.

Pensei também em responder que ninguém havia colocado a lua no céu, que ela sempre esteve lá. Mas me lembrei também que, segundo meus parcos conhecimentos de ciência, isso também não seria exatamente verdade. Pelo que sei, a ciência aceita a teoria de que o universo surgiu em uma grande explosão, o Big Bang, e naquele momento se criaram os planetas, entre eles o nosso, e também a nossa lua, objeto da referida pergunta. Portanto, a Lua não esteve sempre lá, e nem a Terra esteve sempre aqui. Na verdade, não estão nem no mesmo lugar, pois viajam pelo espaço a milhares de quilômetros por hora. Resposta descartada.

Pensei também em explicar que a lua era um satélite natural da Terra, que andava em torno dela em um movimento chamado orbital, e assim por diante, mas francamente, isso é muito confuso para uma menina de três anos. Além disso, embora muito correto para uma prova de geografia, não respondia a pergunta: “quem botou ela lá”?

Assim, resolvi admitir minha ignorância e respondi: “não sei”. Ela ficou me olhando com seus olhinhos brilhantes, talvez meio desapontada, e eu troquei de assunto, passando a tratar de outros corpos celestes, no caso, as estrelas. Mas fiquei pensando naquela pergunta, me lembrando da busca milenar da humanidade por encontrar um sentido na natureza e uma explicação para seus fenômenos. Ao ver não apenas a Lua, mas o Sol, os vulcões e os raios, os homens se maravilhavam e tentavam entender todos aqueles fenômenos, cercados de mistério, temor e fascínio. E não apenas entendê-los, mas buscar seus significados, sua ordem, sua razão de ser. Essa busca surgia agora, na forma daquela pergunta feita de forma espontânea por uma menina de três anos.

Espero que um dia minha sobrinha possa encontrar a resposta que não pude lhe dar. Uma resposta que, mesmo que não seja aceita unanimemente por todos, possa ser satisfatória para ela. Ou que, pelo menos, a pergunta se mantenha viva em seu espírito e não seja soterrada pela eterna luta pela sobrevivência e suas demandas, que muitas vezes nos tornam criaturas “cansadas, cotidianas e tributáveis”, para utilizar os versos do grande Fernando Pessoa. Que ela possa continuar olhando o céu noturno de vez em quando, se maravilhando com a lua e as estrelas e, de repente, se lembre daquela perguntinha que a inquietou um dia: “quem botou a lua lá”?

Esse post foi publicado em Literatura. Bookmark o link permanente.